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FRAUDES

Âncora 1

GESTÃO DE RISCO DE  FRAUDE NA ÁREA DA SAÚDE

a realidade, a complexidade e a tomada de ações de mitigação

Dra. Roseni Teresinha Florencio

Médica da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Pneumologia pela Escola Paulista de Medicina.

Cursando MBA de Gestão de Riscos Corporativos pela Brasiliano INTERISK em Curitiba.

Tornou-se rotina ouvirmos falar sobre fraudes, que são mais complexas e elaboradas na medida em que evoluímos e dispomos de mais recursos tecnológicos. Afinal, qual é a definição de fraude? Segundo o site Significados, “Fraude é uma ação ilícita e desonesta, caracterizada pela falsificação e/ou desvios de produtos, documentos, marcas ou finalidade, com propósito de enganar outras pessoas para garantir benefício próprio ou de terceiros”. 

A palavra fraude se origina do latim fraus e significa “engano”, “erro” e “iludir”. No direito penal, um crime de fraude consiste num ato ilegal de iludir terceiros com o objetivo de prejudicá-los.

Existem inúmeros tipos de fraudes, como as fraudes fiscais, do ambiente online, de identidade, de falsificação, em setores específicos como o dos transportes, automobilístico, entre tantas outras. 

A fraude na área da saúde

A questão dos cuidados com a prevenção da Saúde, diagnóstico e tratamento das doenças é ampla e complexa, envolvendo desde o ensino na área da Saúde, aplicação prática e atualizada do conhecimento, ações e regulamentações governamentais, atuação pública e privada, até a capacidade de entendimento das pessoas quanto à necessidade de seu autocuidado e do cuidado com o bem próprio, público e de terceiros.

Um estudo publicado na Revista Hospitais Brasil, em 2017, avalia o perfil da fraude em Saúde no mundo:

“Abusos no sistema de saúde visando vantagens indevidas para pessoas e empresas não são exclusivos de um determinado país ou sistema de saúde. Segundo o “Global Corruption Barometer 2013”, a maior pesquisa de opinião realizada no mundo sobre corrupção, 5% dos países participantes percebiam serviços médicos e de saúde como sendo os mais afetados pela corrupção, dentre setores como educação, mídia, polícia e partidos políticos. Nessa mesma pesquisa, no Brasil, 55% dos entrevistados percebiam que o sistema de saúde era corrupto”.

Essa foi também a introdução do estudo “Evidências de práticas fraudulentas em sistemas de saúde internacional e no Brasil”, divulgado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Textos para Discussão nº 62-2017, com o objetivo de apresentar e discutir a fraude nos sistemas de Saúde de países diversos e suas formas de combatê-la, tanto na esfera pública como privada. Este texto apresenta as informações com números que impressionam:

“Considerando os dados de estudo publicado em 2014 pela BDO RCS Auditores Independentes, a média de 6,99% da despesa global com saúde no ano de 2011 foi consumida em fraudes. No mesmo período, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS estimou a despesa global com cuidados em saúde em cerca de US$ 4,7 trilhões por ano. Esses dados permitem estimar que cerca de US$ 260 bilhões foram perdidos globalmente, devidos às fraudes e equívocos”.

Tem-se ainda dados de fraudes ocorridas na indústria farmacêutica nos Estados Unidos, entre 2009 a 2012, gerando U$ 10,1 bilhões de dólares em multas.

No Brasil, a Controladoria Geral da União (CGU), ao analisar dados de 2002 a 2015, detectou fraudes na Saúde pública cuja somatória alcança os R$ 5,04 bilhões. Este número representa 27,3% do total de irregularidades no setor público, sendo principalmente relativa ao serviço farmacêutico.

No setor privado brasileiro, um estudo de 2006 da Escola Nacional de Seguros (Funenseg) sobre o mercado de seguro saúde concluiu que “10% a 15% dos reembolsos pedidos pelos segurados são indevidos. Além disso, o estudo constatou que de 12% a 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos, ao custo aproximado de R$ 12 bilhões. Por fim, apontou que de 25% a 40% dos exames laboratoriais, com custo total estimado de R$ 10 bilhões, “não seriam necessários”.

No Brasil, as causas da falta de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS) não raro são apontadas pelas mídias de comunicação como a fraude e o mau gerenciamento dos recursos e serviços. As cenas transmitidas mostram o resultado da escassez de investimentos: uma situação lastimável, em que pese não enaltecerem muitos dos atendimentos de excelência de inúmeras instituições de Saúde. De certa forma, isso leva as empresas e a população a buscarem alternativas, contratando planos de saúde privados.

Na esfera pública, a fraude pode ocorrer nos contratos; peculato de recursos por meio de fraude (documentos fiscais falsos; mercadorias compradas e desviadas, não chegando à unidade de saúde, compras superfaturadas, etc.); e desvio de fundos destinados a pagar fornecedores e médicos (fraudes e práticas ilegais na contratação de médicos, por exemplo).

A fraude, porém, não tem como única vítima o SUS. As operadoras de planos de saúde também podem se apresentar no polo ativo ou passivo da fraude, conforme determinada situação.

Em 2007, Savedoff elaborou um diagrama sobre a estrutura do sistema de Saúde global, onde se pode observar a complexidade dos processos da cadeia, sendo que em todos esses processos existem possibilidades de corrupção e fraude; esse diagrama foi adaptado e publicado pelo IESS, em 2017 (Figura 1).

Brasiliano INTERISK, revista gestão de riscos 121, Áreas centrais do sistema de saúde e os riscos de fraude

Figura 1: Áreas centrais do sistema de saúde e os riscos de fraude

Fonte: Elaboração do IESS a partir de Savedoff, 2007

As operadoras de planos de saúde podem cometer fraudes ou corrupção em situações de infração às leis e normas de regulação; fraude de balanço contábil; suborno de agentes públicos de fiscalização (SAVEDOFF, 2007).

Os prestadores de saúde apresentam maior incidência no número de fraudes, de acordo com Savedoff (2007). O ato geralmente ocorre nos serviços hospitalares e no atendimento médico, especialmente relativos às vendas de medicamentos e de dispositivos médicos ou por meio da obtenção de lucros pessoais, tal como recebendo propina do fornecedor escolhido.

Os gastos com fraudes também podem recair sobre as operadoras de planos de saúde e dos beneficiários que financiam o tratamento no modelo de pagamento dos prestadores de serviços fee-for-service. Nesse caso, o paciente tende a ficar sujeito aos tratamentos e exames diante da remuneração dos prestadores de acordo com os procedimentos realizados (SAVEDOFF, 2007).

Há situações em que os pacientes também colaboram para a fraude ou corrupção, quando fraudam o sistema ao omitir o estado de saúde na aquisição de um plano de saúde; não-beneficiário utilizar o plano de saúde de um beneficiário por meio de fraude na identificação; e subornar médicos para obtenção de benefícios como atestados médicos para licenças de trabalho, para evitar o recrutamento militar ou para obter auxílio doença (SAVEDOFF, 2007).

Quanto aos fornecedores de equipamentos médicos e empresas farmacêuticas, eles têm informação privilegiada sobre os seus produtos, assim como as respostas clínicas de tais produtos; essa assimetria de informação entre fornecedores, provedores, operadoras e pacientes cria oportunidades para abusos (SAVEDOFF, 2007).

Ações gerais contra a fraude na área da saúde

Segundo o IESS, o combate à fraude na Saúde é apontado pelos estudos internacionais em três frentes: “Criação de leis anticorrupção, que implicam em multas e sentença penal para os envolvidos; Transparência dos setores por meio da inserção de tecnologias, por exemplo: prontuário eletrônico e uso de softwares na área financeira de operadoras, hospitais e distribuidores; e Implementação de novos modelos de pagamento prospectivos, por exemplo, baseado no Diagnosis Related Group – DRG.

As principais práticas adotadas contra a fraude na Saúde, conforme esse mesmo estudo do IESS, são:

1. Na área hospitalar: Aprimorar a administração hospitalar; Implementar novo modelo de pagamento (DRG); Prontuário eletrônico.

2. Conduta do paciente: Orientação e esclarecimentos sobre não realizar pagamentos informais de tratamentos; Informatização do processo de atendimento do paciente; Divulgar as boas práticas de utilização dos serviços para o paciente e as consequências das más condutas.

3. Orçamento e gestão de recursos: Investimento em melhoria da área contábil; Contratação de auditores externos ou o seu aumento; Transparência na faturação de serviços.

4. Gestão de folha de pagamento: Investimento em transparência de sistema de gestão; Implementação de modelo de pagamento prospectivo.

5. Utilização de recursos: Treinamento nos códigos de conduta e ética; Aumento na fiscalização do uso de material; Implementação de prontuário eletrônico.

Para combater a fraude, muitos países estão adotando boas práticas relativas à regulação, como: 1. Consolidar a transparência e o acesso à informação no processo de decisão de leis e normas; 2. Fortalecer a participação de todos os setores de Saúde, tais como a indústria, fornecedores, provedor, plano de saúde e beneficiários, nas decisões relativas as políticas de saúde; 3. Seguir normas de processo internacionais, como políticas de medicamentos; 4. Aprovação de leis anticorrupção, genérica e dirigidas à área da Saúde.

No Brasil, as aquisições de bens e serviços de terceiros e alienações feitas pelo Poder Público devem observar o contido na Lei das Licitações e Contratos (Lei nº 8.666, de 21/6/1993, alterada pela Lei nº 8.883, de 8/6/1994, atualizada até as alterações promovidas pela Lei nº 13.500, de 26/10/2017), sob pena de nulidade do contrato e caracterização de ato criminoso, conforme citado no Artigo 90 dessa Lei, dentre outros: “Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.

O Brasil busca trazer transparência dos processos no setor da saúde e aumentar a fiscalização, inibindo as práticas ilícitas. A Lei nº 12.527/2011 objetiva a transparência e a divulgação dos orçamentos e gastos nas esferas federal, estadual e municipal, bem como das autarquias e empresas sem fins lucrativos que recebem ou prestam serviços públicos, mantendo os dados atualizados e de fácil acesso ao cidadão. A Lei nº 12.846/2013 dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Como é citado no estudo do IESS, no início de 2015, o Ministério da Saúde criou um Grupo de Trabalho Interinstitucional com a finalidade de propor medidas para a reestruturação e a ampliação da transparência do processo de produção, importação, aquisição, distribuição, utilização, tributação, avaliação e incorporação tecnológica, regulação de preços, e aprimoramento da regulação clínica e de acesso dos dispositivos médicos (OPME) em território nacional.

Foco na gestão de risco de fraude na saúde

Para ampliar as oportunidades de sucesso na abordagem em gestão de risco de fraude na Saúde é importante considerar e aplicar os conceitos gerais e as medidas apresentadas; no entanto, é preciso focar também na interconexão das diversas cadeias envolvidas no processo, para entender e aumentar as ações de mitigação dos fatores de riscos que levam aos riscos de fraude. Assim será possível inibir a sua ocorrência e gerar valor aos envolvidos na organização, administrando os riscos para atingir suas estratégias e evitando danos maiores no caminho.

É recomendável às empresas que apliquem e pratiquem a melhor prática das “Três Linhas de Defesa”, o que permite descentralizar todo o processo de controle. Dessa forma, fica para os colaboradores operacionais a responsabilidade do controle de seus próprios processos (primeira linha de defesa), para a orientação e supervisão, a segunda linha de defesa, e há por fim, a responsabilidade da auditoria de atuar na terceira linha de defesa, promovendo a cobertura ampla da organização (Figura 2).

Brasiliano INTERISK, revista gestão de riscos 121, Modelo das Três Linhas de Defesa

Figura 2: Modelo das Três Linhas de Defesa no gerenciamento de riscos e controles

Fonte: As Três Linhas de Defesa – Institute of Internal Auditors - IIA, 2013

Existem metodologias que permitem ao gestor utilizar critérios e aplicar ferramentas que dispõem de processo estruturado para avaliar os riscos de fraude nos processos, com foco na prevenção e considerando o “fator humano”. O método Fraud Risk Assessment – FRA é um dos únicos que analisa o risco de fraude nos processos da empresa, levando em conta esse fator, incluindo a priorização de ações (plano de ação) para evitar a fraude; ainda possibilita realizar a projeção futura e o monitoramento e a análise crítica, integrantes do processo de avaliação de riscos de fraude, gerando painéis, como o de indicadores de criticidade cruzado, facilitando a visualização dos processos mais críticos em relação à criticidade do nível de risco de fraude (BRASILIANO, 2015). O Framework do Método está demonstrado na Figura 3.

Framework Fraud Risk Assessment

Figura 3: Processo Fraud Risk Assessment – FRA ISO 31000/ COSO I/ II

Fonte: Método Brasiliano de Análise de Riscos de Fraude, 2015

O gestor de riscos precisa ter inteligência em risco de fraude e levar aos diretores e conselhos os riscos críticos e suas conexões, antecipando-os para a atuação preventiva e criando condições às empresas de alcançar seus objetivos e ter competitividade.

Considerações finais

A avaliação de risco de fraude na área da Saúde parte do entendimento de um complexo sistema de interconexões, com o envolvimento de vários agentes externos, que se comunicam continuamente com os agentes internos das organizações.

Para possibilitar essa avaliação, recomenda-se que a empresa disponha de um sistema estruturado que permita gerar uma ampla visão de seus riscos de fraude e as prioridades para as ações de prevenção e mitigação, além do conhecimento e cumprimento das leis e das normas.

A cultura antifraude precisa estar na determinação dos conselheiros e dos diretores das organizações, na filosofia, na cultura, nos processos e nas práticas cotidianas das instituições, bem como em toda a cadeia da área da Saúde, incluindo as pessoas beneficiárias da assistência à saúde.

As organizações necessitam implantar dentro do sistema de governança corporativa a gestão de risco de fraude, ampliando suas garantias, diante dos riscos estratégicos, legais, operacionais e financeiros, considerando os ambientes interno e externo que as envolvem, visando serem mais assertivas nas suas decisões.

Referências

BRASILIANO, A.C.R. Inteligência em riscos (livro eletrônico): gestão integrada em riscos corporativos. 2. ed. São Paulo: Sicurezza, 2018.

  . Gestão de Risco de Fraude: Fraud Risk Assessment. São Paulo: Editora Sicurezza, 2015.

Brasil. Governo Federal. Disponível em: < http://www4.planalto.gov.br/legislacao >. Acesso em 31 de maio de 2018.

Finanças. Estudo revela o perfil das fraudes em saúde no mundo. Rev. Hospitais Brasil, Jun 2017, Ed. 85. Disponível em: < http://portalhospitaisbrasil.com.br/estudo- revela-o-perfil-das-fraudes-em-saude-no-mundo/ 20/06/2017 >. Acesso em 31 de maio de 2018.

Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. “Evidências de práticas fraudulentas em sistemas de saúde internacional e no Brasil”, Textos para Discussão nº 62- 2017. Disponível em: < https://iess.org.br/?p=publicacoes&id=846&id_tipo=3 >. Acesso em 31 de maio de 2018.

IIA - The Institute of Internal Auditors. Declaração de posicionamento do IIA: As três linhas de defesa no gerenciamento eficaz de riscos e controles, Florida, Jan 2013. Disponível em: < https://na.theiia.org/Pages/IIAHome.aspx >. Acesso em 31 de maio de 2018.

SAVEDOFF, W. D. Transparency and Corruption in the Health Sector: A Conceptual Framework and Ideas for Action in Latin American and the Caribbean, Center for Global Development, Jan 2007. Disponível em: < https://www.researchgate.net/publication/254309932 >. Acesso em 31 de maio de 2018.

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